sexta-feira, 1 de julho de 2011

Ilustres Desconhecidos do Saber Popular - Léo Lopes

Meu avô faleceu esta madrugada...
É louco pensar sobre a sina de cada qual.
A dor que é bagagem única do acervo existencial de cada um...
Meu avô faleceu esta madrugada...
Cego, uma perna paralítica, se alimentando por meio de uma sonda, sem prazer algum, nem mesmo de cantar.
Aliás sua nobre arte!
Era portador de uma das vozes mais bonitas que já ouvi.
Meu avô faleceu esta madrugada...
Partiu um dos ilustres desconhecidos do saber popular.
Sebastião Claúdio da Silva: um dos grandes cantadores de moda de viola que animavam as festas das roças de cana de açúcar, de algodão e laranja do interior paulista nas décadas de 40/50/60.
Meu avô faleceu esta madrugada...
Calou sua viola, sua gaita, sua voz e cavaquinho quando já nos idos de 80 faleceu, o seu pareia de cantoria, meu tio avô Augusto Lopes, cantador de moda e tocador de sanfona. Depois que veio
morar com agente, as vezes na solidão da madrugada eu pegava ele lembrando versos, quadras, cantarolando..."a mulher do Jangadeiro, é jangadeira tamem... Ela luta cum a vida pra trazê cumida, prus fio que tem"...
"Eu não sou marinheiro de primeira viagem,
Eu não sou trem cargueiro que carrega carruage"...
Meu avô faleceu esta madrugada...
Mas não gostava de ensinar, depois da cegueira perdeu o sentido da vida, sistemático, pra aprender alguma coisa só uma vez, de ouvido e sem ele perceber que tinha alguem ouvindo, percebendo já parava logo.
Meu avô faleceu esta madrugada...
Ficaram as boas lembranças, das suas sempre aconchegantes casas (como todo pobre que sai da roça pra ir pra periferia das cidades, viveu em muitas). Sempre perto de alguma lagoa, onde adorava nos ensinar a nadar. Entrava sempre primeiro, vasculhava o fundo e anunciava onde estavam, caso houvessem buracos, marcava os limites e depois liberava a netaiada pra brincar.
As vezes ficava tocando sua gaita e nos observando.
"Que tempo bom, que não volta nunca mais"...

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